- Baphomet -
Parte importante dos Mistérios Iniciáticos da Serpente e de seu Graal
Uma das imagens de mais forte presença no
universo ocultista de nossa época, por vezes erroneamente interpretada como
uma rebuscada representação
do Diabo
católico, recebe o nome de Baphomet. Todavia, apesar de muito ter sido
especulado sobre o lendário ídolo dos Templários, pouca informação confiável
existe a respeito desta enigmática figura. Daí vêm as inevitáveis questões: o que de fato esta imagem significa e qual a sua origem? Além
disso, o que ela hoje representa dentro das Ciências Arcanas? Há algum culto
atualmente celebrado cujos fundamentos estejam calcados neste Mistério? Este pequeno exame sobre os Mistérios
de Baphomet tem como principal objetivo fornecer algumas orientações
iniciais ao tema, permitindo assim que cada Aspirante possa encontrar subsídios
para ir, aos poucos, formando sua própria opinião, de modo a melhor poder
avaliar o que normalmente é encontrado ou divulgado nos círculos iniciáticos
atuais.
Em relação a seus aspectos históricos, mesmo não
sendo possível estabelecer com precisão uma inequívoca e incontestável
ascendência do termo, é sabido que talvez a origem do que veio a se tornar um
mito esteja enraizada no princípio do século XIV da Era Cristã. Em 1307 uma série
de acusações daria início a cruel perseguição imposta pelo Papa Clemente V (Arcebispo
de Bordéus, Beltrão de Got) e pelo Rei de França Felipe IV, mais conhecido como Felipe o Belo, contra a Ordem dos
Cavaleiros do Templo, também chamada de Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo,
ou, simplesmente,Templários. O processo inquisitorial movido contra os Templários
foi encerrado em 12 de setembro de 1314, quando da execução do Grão Mestre da
Ordem do Templo, Jacques de Molay, juntamente com outros dois nobres Cavaleiros, todos
queimados pelas chamas da Inquisição. No longo rol de acusações estavam: a negação
de Cristo, recusa de sacramentos, quebra de sigilo dos Capítulos e
enriquecimento, apostasia, além de práticas obscenas e sodomia. O
conjunto das acusações montaria um quadro claro do que foi denominado de
desvirtuação dos princípios do cristianismo, os quais teriam sido substituídos
por uma heterodoxia doutrinária de procedência oriental, sobremodo islâmica.
No entanto, dentre as inúmeras acusações movidas
contra os Templários, uma ganharia especial notoriedade, pois indicava adoração a
um tipo de ídolo, algo diabólico,
entendido como um símbolo místico utilizado pelos acusados em seus supostos nefastos rituais. Na época das acusações, costumava-se dizer que em
cerimônias secretas, os Templários veneravam um desconhecido
demônio, que aparecia sob a forma de um gato, um crânio ou uma cabeça com três
rostos. Todavia,
examinando a acusação movida por Clemente V, encontraremos originalmente o
seguinte: item quod ipsi per singulas provincias habeant
idola; videlicet capita quorum aliqua habebant tres facies, et alia unum; et
aliqua cranuim humanum habebant. Na
acusação, embora seja feita menção a adoração de uma “cabeça”, um “crânio”, ou de um “ídolo
com três faces”, nada é mencionado, especificamente, sobre a denominação
Baphomet.
De onde, então, teria surgido o termo?
Não se sabe com precisão onde surgiu o termo Baphomet. Uma das possíveis origens, entretanto, é atribuída a
pesquisa do arqueólogo austríaco Barão Joseph Von Hammer-Pürgstall, um não
simpatizante do ideal Templário, que em 1816 escrevera um tratado sobre os
alegados mistérios dos Templários e de Baphomet, sugerindo que a expressão proviria da união de dois
vocábulos gregos, “Baphe” e “Metis”, significando “Batismo
de Sabedoria”. A partir desta
conjectura, Von Hammer especula a respeito da possibilidade da existência de
Rituais de Iniciação, onde haveria a admissão, seja aos mistérios seja aos
segredos cultuados pela Ordem do Templo.
Dada a aversão de Von Hammer em relação aos
Templários, os estudiosos do tema aceitam com reservas sua tese, embora a
mencionem como referência original possível ao termo Baphomet. A tese de Von Hammer, todavia, ainda que muito
criticada por alguns, encontra boa receptividade por parte de outros
ocultistas, principalmente entre os teósofos de Madame
Blavatsky, dado seu entendimento apontar para a Grécia Antiga como a plausível
origem de Baphomet. Relacionando-o com o Deus Grego Pã, Blavatsky vê em
Baphomet um andrógino, com um enorme aparato de ensinamentos de ordem hermética
e filosófica.
Também da pesquisa de Von Hammer vêm algumas
ilustrações, as quais, provavelmente, cerca de quatro décadas mais tarde,
serviram de base para Eliphas Levi conceber sua própria ilustração de Baphomet, da qual logo trataremos. Segundo Von Hammer, de acordo
com suas descobertas, os ídolos Templários se tratavam de degenerações de
ídolos gnósticos valentinianos, sendo que, de todos eles, o mais imponente
formava uma estranha figura de um homem velho e
barbudo, de solene aspecto faraônico. Um traço bem marcante de todas as figuras era a forte
presença de caracteres de hermafroditismo ou
androginia, traços que, ainda de
acordo com a descrição de Von Hammer, endossariam cabalmente as acusações de
perversão movidas pelo clero contra os Templários.
Desta descrição aparece outra referência que muito
diz sobre o mistério que cerca o nome Baphomet: ela aponta para a imagem de um “homem
velho”, o qual seria adorado pelos Templários. Este “homem
velho” possuía as mesmas características de Priapus, Aquele criado “antes que tudo existisse”. Contudo, a mesma imagem, por vezes aparecendo com armas
cruzadas sobre o peito, sugere proximidade com o Deus Egípcio Osíris, havendo até quem
afirme ser Osíris o verdadeiro Baphomet dos
Templários. Seguindo a mesma lógica e pensamento de que o
vocábulo Baphomet teria vindo da Grécia Antiga, também existe a hipótese de que
sua procedência esteja na conjunção das palavras “Baphe”
e “Metros”, algo como “Batismo da Mãe”. Por sua vez, a partir deste raciocínio, surge uma
outra proposição poucas vezes mencionada nos estudos sobre Baphomet, a qual
aponta ser “Baphe” e
“Metros” uma corruptela de Behemot,
um fantástico ser bíblico de origens hebréias. Esta teoria é importante, visto
Behemot ser citado (e por vezes traduzido) como uma grande fêmea de Hipopótamo
que habitava as águas do Rio Nilo, sendo uma das representações da “Grande
Mãe”, esposa do Deus Seth. Na concepção egípcia dos Deuses, a fêmea do Hipopótamo
faz uma espécie de contra-parte do Crocodilo (Typhon), da mesma forma pela qual
existem os bíblicos Behemot e Leviathan.
De acordo com o pesquisador Raspe, outra definição
que ganha importância, principalmente na abordagem dos cultos
que atualmente são rendidos a Baphomet, mostra o suposto ídolo dos Templários como uma fórmula oriunda das Doutrinas
Gnósticas de Basilides. Neste
sentido as palavras anteriormente apresentadas, que originaram o termo
Baphomet, seriam “Baphe” e “Metios”. Assim,
teríamos a expressão “Tintura de Sabedoria”, ou o já apresentado “Batismo de Sabedoria”, como o significado de Baphomet.
Blavatsky ainda
relaciona Baphomet com Azazel, o bode expiatório do deserto, de acordo
com a Bíblia cristã, cujo sentido original – segundo a célebre ocultista russa
– foi deploravelmente deturpado pelos tradutores das Sagradas Escrituras.
Blavatsky ainda explica que Azazel vem da união das palavras Azaz e El, cujo
significado assume a forma de um interessante “Deus da Vitória”. Não obstante a esta definição, em seus preceitos, Blavatsky vai além,
quando equipara Baphomet – O Bode
Andrógino de Mendes - ao puro Akasha,
a Primeira Matéria da Obra Magna.
Em meio a tantas referências, não podemos deixar
de mencionar a curiosa tese que diz ser o vocábulo Baphomet nada mais
do que uma simples corruptela francesa para o nome Mahomet. Tal
conjectura, sustentada por Mackey, vem em encontro com a suposição de que os
Templários estariam sob influência das doutrinas islâmicas, conseqüência de
suas freqüentes incursões no oriente por ocasião das Santas Cruzadas. No
entanto, como bem lembrado por Mackenzie, esta suspeita entraria em franco
conflito com a premissa Templária de combate a fé Islâmica. Há de se ressaltar
ainda que a religião islâmica não adota a prática de venerar ídolos, o que
representaria uma contradição, considerando que Baphomet fosse de fato um ídolo
adorado pelos Templários. Considerando que a palavra Baphomet possua raízes
árabes, especula-se também que ela
seja a corruptela de Abufihamat (ou ainda Bufihimat, como
pronunciado na Espanha), expressão moura para “Pai do Entendimento” ou “Cabeça
do Conhecimento”. Se nos
lembrarmos das acusações movidas contra os Templários, de que eles adoravam uma “Cabeça”, veremos
nesta hipótese algo plausível de ser aceito.
Apesar de todas as alusões até aqui feitas, a
figura de Baphomet que se tornou mais famosa, servindo de principal referência
para os ocultistas atuais, é mesmo aquela cunhada no século XIX pelo Abade Alfonse Louis Constant, mais conhecido pelo nome Eliphas Levi Zahed, ou simplesmente Eliphas
Levi. De
acordo com a descrição do Abade, publicada pela primeira vez em 1854, a imagem
de Baphomet, o Bode de Mendes ou ainda o Bode do Sabbath, é feita do seguinte
modo: "Figura panteística e mágica do absoluto. O facho colocado
entre os dois chifres representa a inteligência equilibrante do ternário; a
cabeça de bode, cabeça sintética, que reúne alguns caracteres do cão, do touro
e do burro, representa a responsabilidade só da matéria e a expiação, nos
corpos, dos pecados corporais. As mãos são humanas para mostrar a santidade do
trabalho; fazem o sinal do esoterismo em cima e em baixo, para recomendar o
mistério aos iniciados e mostram dois crescentes lunares, um branco que está em
cima, o outro preto que está em baixo, para explicar as relações do bem e do
mal, da misericórdia e da justiça. A parte baixa do corpo está coberta, imagem
dos mistérios da geração universal, expressa somente pelo símbolo do caduceu. O
ventre do bode é escamado e deve ser colorido em verde; o semicírculo que está
em cima deve ser azul; as pernas, que sobem até o peito devem ser de diversas
cores. O bode tem peito de mulher e, assim só traz da humanidade os sinais da
maternidade e do trabalho, isto é, os sinais redentores. Na sua fronte e em
baixo do facho, vemos o signo do microcosmo ou pentagrama de ponta para cima,
símbolo da inteligência humana, que colocado assim, em baixo do facho, faz da
chama deste uma imagem da revelação divina. Este panteus deve ter por assento
um cubo, e para estrado quer uma bola só, quer uma bola e um escabelo
triangular”.
Devido a eficiência de sua ideação, Levi
propositalmente faz com que se acredite que exatamente esta forma de Baphomet
era a presente na celebração dos Antigos Mistérios. Apesar de Levi ter
conseguido conceber uma arrebatadora e sintética efígie, recheando-a de
múltiplos significados, não há como aceitá-la como sendo o
“verdadeiro” Baphomet, senão
um fruto da fértil imaginação religiosa do Abade. Indo um pouco além, diríamos até que esta idéia foi,
entre outras influências, livremente inspirada pela curiosa
representação do Diabo, esculpida alguns anos antes, em 1842 no pórtico da
Igreja de Saint-Merri, em Paris. De qualquer modo, pelo texto de Levi, fica claro
que para conceber a “figura
exata deste Imperador da Noite”,
para usar as palavras do próprio Abade, ele recebeu forte influência de uma
série de informações advindas das mais diversas culturas. Assim, seja sua fonte
os desenhos e ídolos descobertos por Von Hammer, seja o Egito ou a Grécia, ou as culturas
hebréia, cristã ou gnóstica e até mesmo de Zoroastro, Levi, de cada uma delas
foi extraindo elementos para conceber o seu extraordinário Bode do Sabbath. Contudo, apesar das variadas fontes alegadas,
valerá ao estudante mais atento examinar, com cuidado redobrado, a gravura
denominada “Hermafrodita de Khunrath”, citada como fonte pelo honesto Abade,
visto ela guardar notáveis semelhanças com a concepção do Bode de Mendes, de
Levi. A figura emblemática do Bode
de Mendes de Eliphas Levifoi uma
das primeiras, senão a primeira, que associou o bode ao ídolo Templário. É
muito provável, dada a condição de sacerdote católico do Abade Alfonse Louis
Constant, que a imagem Bíblica do sacrifício do Bode
Expiatório tenha lhe servido de inspiração. O bode no Egito, entretanto, não
possuía um significado religioso grande, exceto por este culto sacrificial,
promovido na cidade de Mendes. Daí a
denominação escolhida por Levi, o Bode de Mendes.
Porém, é significativo mencionar que o bode, do mesmo modo como atribuído ao carneiro, sempre foi símbolo de fertilidade, de libido e força
vital. Contudo, enquanto o carneiro assume características solares, o
bode se relaciona às lunares. Em
outras palavras, é costume relacionar carneiros, ou cordeiros, como símbolos de aspectos considerados “positivos” das Divindades, enquanto que aos bodes estariam reservados os “negativos”. Assim, se naquele convencionou-se
associar uma imagem de pureza, vida e santidade, neste são associados luxúria,
sacrifício e perversão. Em ambos
os casos, contudo, é importante salientar que tanto o
carneiro quanto o bode são claros símbolos de divindades solares, sendo que no
primeiro tem-se a exaltação da Divindade, enquanto que no segundo a expiação e
morte do Deus.
Numa variação deste símbolo, o carneiro é
substituído por outro bode, passando-se assim a dois bodes utilizados
ritualisticamente. A primeira menção deste culto ocorre no
Levítico, exatamente no mencionado Culto
do Bode Expiatório. Nesta ocasião,
durante as festividades, o Sacerdote recebia dois bodes e de acordo
com o resultado de uma escolha aleatória um deles seria imolado enquanto o
outro era posto em liberdade. Não
deixa de ser interessante se lembrarmos
do Rito de escolha entre Jesus e Barrabás, onde um foi sacrificado e o outro
posto em liberdade. O mais importante para o momento, entretanto,
é lembrar que tais considerações trazem, em si mesmas, um eterno jogo de
contrários, apresentados ora na forma de um aspecto luminoso, ora na forma de
um feitio sombrio. O dualismo é a característica mais
evidente da gravura de Eliphas Levi. Nela
encontramos propriedades masculinas e femininas, diurnas e noturnas, sugerindo o equilíbrio da criação através
do retorno a androginia primordial.
A Mística Sufi, inclusive, uma herança islâmica supostamente absorvida pelos
Templários, menciona que apenas existirá a salvação se for superada a ilusão da
dualidade deste mundo de aparências e erros, pelo retorno à unicidade original.
As inscrições SOLVE
e COAGULA da imagem de Eliphas Levi são outro claro exemplo do
enfoque dualista de seu Baphomet. Originalmente presentes nos antebraços do “Hermafrodita de Khunrath”, estes dois preceitos misteriosos mostram que o
Andrógino domina completamente o Mundo Elementar, agindo sobre a natureza, de
modo inteiramente Onipotente. As inscrições são dois pólos que marcam o Ciclo Solar de Vida, composto de Geração, Nascimento e Morte, para depois haver
uma nova Geração que dará continuidade ao interminável ciclo da Vida. A fórmula Solve
et Coagula, todavia, não se resume
apenas na vida material. Podemos entender aqui que o Espírito
pouco evoluído, ou primário,
encontrará os meios pelos quais possa ser transformado em Espírito Evoluído, Superior. A esta propriedade de transformação, ou melhor, ao elemento que
permite esta transformação, os Mestres deram o nome de Mercúrio Filosofal, ou
Água dos Sábios, a mesma Tintura de Sabedoria, da qual falava o gnóstico
Basilides ainda no século II.
A imagem do Baphomet de
Eliphas Levi, enfim, é a representação emblemática deste Mercúrio
Filosofal ou do Andrógino Primordial. Também de Eliphas Levi vem outra curiosa
explanação sobre a origem do nome Baphomet, que se tornou vaga nos dias de hoje. Segundo o erudito
Abade, esta palavra era a forma cifrada de se dizer TEMOHPAB, uma espécie de acróstico
inverso de Baphomet, que formaria
a sentença iniciática: Templi Omnium Hominum Pacis Abbas. A explicação do acróstico, contudo, não traz maiores
esclarecimentos ao termo Baphomet, senão a já bem conhecida menção a Unidade
Primeira.
Outra técnica cabalística de cifrar
mensagens (chamada
Athbsh) sugere que o verdadeiro
significado de algumas palavras apenas aparece caso seja escrito, a partir da
palavra original, um outro termo. Conforme esta regra, a primeira letra do
alfabeto hebraico (Aleph) na verdade equivaleria a última (Tau), a segunda
letra (Beth) corresponderia a penúltima (Shin), a terceira letra (Gimel) a antepenúltima (Resh) e assim
por diante. A palavra BAPHOMET, neste caso escrita com as letras hebraicas Beth,
Pe, Vav, Mem e Tau aparece, após ter sido aplicada esta técnica, como Shin,
Vav, Pe, Yod, Aleph, correspondendo então a palavra SOPHIA, Sabedoria em grego.
Seguindo com a teoria que aponta Baphomet como o Hermafrodita, pode ser feito um extraordinário paralelo entre esta
efígie e a citação bíblica “Deus criou o homem à sua imagem; criou-o
à imagem de Deus, criou o homem e a mulher”. Examinando o texto em latim encontraremos: ad
imaginem suam Dei creavit illum, masculum et feminam creavit eo, ou seja “à sua imagem Deus o criou, o
criou macho e fêmea“. Assim,
conforme mostram as Sagradas Escrituras, Deus criou um Adão que era,
ao mesmo tempo, macho
e fêmea, um Andrógino. Adão,
portanto, o primeiro ser da natureza, foi dotado com as duas naturezas do
andrógino. Baphomet então surge como um ícone tardio
para o homem primordial, Adão.
As alusões sobre a expressão Baphomet, ora apresentadas, são de extrema valia para os
estudantes do simbolismo mágico e iniciático. Não obstante o volume de
ponderações feitas já ser considerável, uma nova e recente forma de abordagem
destes Mistérios vem ganhando terreno no estudo da Tradição, principalmente nos
aspectos relacionados ao que hoje se convencionou chamar de neo-templarismo e
neo-gnosticismo. No século XX, o controvertido ocultista inglês
Aleister Crowley, desenvolveu um culto e uma religião que têm como um de seus
principais fundamentos exatamente o alegado ídolo templário, segundo sua
própria e peculiar concepção de Baphomet. O entendimento de Crowley por certo
lançará mais matéria à reflexão sobre este discutível tema, bem como ajudará a
avaliar o modo polêmico de abordagem deste mistério, modo este típico de uma
crescente vertente de ocultistas contemporâneos.
Ao longo das obras de Crowley, são fartas as
referências a Baphomet, por ele chamado de “Mistério dos Mistérios”, no cânone
central de sua religião, cânone este composto na forma de um missal denominado
Liber XV – A Missa Gnóstica. Tal era sua identificação com Baphomet, que este
nome foi adotado como um de seus mais importantes pseudônimos, ou Motes
Mágicos. O assunto é tão relevante que nos Rituais de
Iniciação da Ordo Templi Orientis, uma das Ordens lideradas por Crowley,
praticamente todas as consagrações são feitas em nome de Baphomet, não importando se os consagrados estejam conscientes
ou não a respeito do sentido de tal ato e muito menos de suas implicações
futuras. Tamanha é a proeminência do conceito implícito ao termo que no VI Grau
da referida Ordem, a título de ilustração, numa clara referência a suas
supostas raízes orientais, a palavra Baphomet é declarada como sendo aquela que
comporta os Oito Pilares (as
oito letras que formam a palavra)
que sustentam o Céu dos Céus, a Abóbada do Templo Sagrado dos Mistérios, no qual
está o Trono do Rei
Salomão. Ainda em sua Missa Gnóstica, Crowley identifica
Baphomet com um símbolo chamado “Leão-Serpente”.
O Leão-Serpente, assim como Baphomet, é a representação do andrógino ou
hermafrodita. Mais
especificamente, ele é um composto que possui em si mesmo o equilíbrio das
forças masculinas e femininas transmutados num só elemento. O
Leão-Serpente, na verdade, é uma
forma cifrada de mencionar a concepção humana, a união dos princípios
masculinos (Leão) com femininos (Serpente), ou do
espermatozóide com o óvulo, formando o zigoto. Há, seguindo com os preceitos de Crowley, diversos
modos de mencionar esta dualidade: Sol e Lua, Fogo e Água, Ponto e o
Círculo, Baqueta e Taça, Sacerdote e Sacerdotisa, Pênis e Vagina, além de
várias outras duplas de eternos polares.
Originalmente, o símbolo representado pelo
Leão-Serpente, consta em alguns dos mais antigos documentos gnósticos, os quais
remontam a começos do século II d.C. Apresentado sob a forma de uma figura
arcôntica com cabeça de leão e corpo de serpente, o Leontocéfalo era a própria
imagem do Demiurgo do Mundo, sendo a versão gnóstica para o Javé Mosaico.
Crowley, ao se utilizar deste mesmo simbolismo, pretendia assim resgatar os
cultos de um cristianismo hoje considerado primitivo.
Crowley e seus adeptos, entretanto, não se detêm
apenas em demonstrar o Mistério de uma forma puramente alegórica. A “Luz da
Gnose”, como é chamada, é celebrada de modo literal. Assim, o ponto máximo da
encenação de seu missal consiste na celebração do Supremo Mistério, ou seja,
durante a realização das Missas Gnósticas ocorre a comunhão, por parte de todos
os partícipes da Cerimônia, das hóstias, também chamadas de Hóstias dos Céus,
ou Bolos de Luz, preparadas com sêmen e fluido menstrual. De acordo com
Crowley, Baphomet, sob o nome Leão-Serpente, surge deste composto, da Matéria
Primeva, oriunda da Grande Obra, ou seja, do ato sexual entre Sacerdote e
Sacerdotisa. Através dos alegados poderes mágicos dos Operantes do Rito da
Grande Obra, a Matéria Primeva é transmutada em “Elixir”, ou Amrita. A Grande
Obra, contudo, através das propriedades mágicas da fórmula de Baphomet, ainda
teria a capacidade de transmutar também os Operantes do Rito e não apenas as
substâncias que o compõem.
Baphomet, assim como concebido por Crowley, é
então o Elixir ou Tintura da Sabedoria, o Veículo da Luz da Gnose, a qual
compõe o Mistério Místico Maior, também chamado Segredo Central de sua Ordo
Templi Orientis. Crowley também considerava Baphomet como o Supremo Mistério
Mágico dos Templários, segredo este que estaria concentrado nos graus
superiores de sua Ordem. Da mesma forma, ele clamava que este era o mesmo
mistério oculto aos graus superiores da Maçonaria. Crowley e seus discípulos se consideram herdeiros
deste conhecimento, o qual, segundo eles, foi transmitido de geração em
geração, desde tempos remotos até eles mesmos, seus sucessores, através dos
Santos Gnósticos. Curioso constatar é que, dentre os inúmeros Santos
relacionados por Crowley em sua Missa Gnóstica, estejam presentes os nomes
Valentin e Basilides, os mesmos gnósticos citados, cujas doutrinas supostamente
deram origem ao termo Baphomet. Inclusive, no Credo de sua religião, recitado
nesta mesma Cerimônia, há referência oculta a Baphomet ou Leão-Serpente, na
forma do mencionado “Batismo de Sabedoria”, ato responsável pelo Milagre da
Encarnação (a reprodução humana).
Crowley também usa uma forma particular de grafia
para Baphomet, forma esta que segundo o seu relato, lhe fora revelada em visões
obtidas durante a realização de determinados trabalhos mágicos. Assim, esta
palavra aparece curiosamente grafada como BAFOMITHR. Com isso, Crowley -
externamente - sugere que o termo Baphomet seja para ele equivalente ao que
Pedro representou para Cristo, ou seja, analogamente, sobre esta “pedra”
fundamental, Baphomet, Crowley edificou a sua Igreja. Internamente, contudo, em
um dos Graus Superiores de sua Ordem, dado ao caráter supostamente Templário,
de acordo com a interpretação de Crowley deste tipo de mistério, em seus
diários a palavra BAFOMITHR por vezes aparecia para indicar Ritos de Magia
Sexual onde havia prática de sodomias, concepções de Crowley, entretanto, não
param por aí. Ao que tudo indica, tal é a amplitude de valores presentes em
seus ensinamentos relacionados a Baphomet, que se tem nítida impressão de que
ele valeu-se de todas as atribuições cabíveis a esta imagem, para dali evocar
alguma mensagem, apropriada tanto a difusão quanto a justificação de sua
religião.
Apesar de muito ter sido dito concernente a
questão Baphomet, apenas uma única certeza aparece de modo irrefutável: Os Mistérios de Baphomet ainda
seguirão, dando a oportunidade para que cada um de seus Aspirantes penetre num
rico e fantástico universo de signos, símbolos e enigmas a serem desvelados. O próprio enigma da Esfinge
Egípcia nos desafia e ameaça, prometendo maravilhas conquanto
nos indaga sobre sua misteriosa natureza. Talvez o que de melhor tenhamos a
fazer neste momento, após tanto considerar sobre esta outra enigmática Esfinge,
Baphomet, é seguir o sábio exemplo de um dos maiores Mestres Gnósticos, o
próprio Basilides, conhecido como o Mestre do Silêncio e quedar-nos em sossego.
Abrindo espaço ao Silêncio, damos vez à reflexão.
Refletindo, confiamos que a verdadeira simbologia de Baphomet seja
revelada como uma forma de conhecimento esotérica e não ligado a figura do Satânismo
ou do mal.
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