Porém, é significativo mencionar que o bode, do mesmo modo como atribuído ao carneiro, sempre foi símbolo de fertilidade, de libido e força
vital. Contudo, enquanto o carneiro assume características solares, o
bode se relaciona às lunares. Em
outras palavras, é costume relacionar carneiros, ou cordeiros, como símbolos de aspectos considerados “positivos” das Divindades, enquanto que aos bodes estariam reservados os “negativos”. Assim, se naquele convencionou-se
associar uma imagem de pureza, vida e santidade, neste são associados luxúria,
sacrifício e perversão. Em ambos
os casos, contudo, é importante salientar que tanto o
carneiro quanto o bode são claros símbolos de divindades solares, sendo que no
primeiro tem-se a exaltação da Divindade, enquanto que no segundo a expiação e
morte do Deus.
Numa variação deste símbolo, o carneiro é
substituído por outro bode, passando-se assim a dois bodes utilizados
ritualisticamente. A primeira menção deste culto ocorre no
Levítico, exatamente no mencionado Culto
do Bode Expiatório. Nesta ocasião,
durante as festividades, o Sacerdote recebia dois bodes e de acordo
com o resultado de uma escolha aleatória um deles seria imolado enquanto o
outro era posto em liberdade. Não
deixa de ser interessante se lembrarmos
do Rito de escolha entre Jesus e Barrabás, onde um foi sacrificado e o outro
posto em liberdade. O mais importante para o momento, entretanto,
é lembrar que tais considerações trazem, em si mesmas, um eterno jogo de
contrários, apresentados ora na forma de um aspecto luminoso, ora na forma de
um feitio sombrio. O dualismo é a característica mais
evidente da gravura de Eliphas Levi. Nela
encontramos propriedades masculinas e femininas, diurnas e noturnas, sugerindo o equilíbrio da criação através
do retorno a androginia primordial.
A Mística Sufi, inclusive, uma herança islâmica supostamente absorvida pelos
Templários, menciona que apenas existirá a salvação se for superada a ilusão da
dualidade deste mundo de aparências e erros, pelo retorno à unicidade original.
As inscrições SOLVE
e COAGULA da imagem de Eliphas Levi são outro claro exemplo do
enfoque dualista de seu Baphomet. Originalmente presentes nos antebraços do “Hermafrodita de Khunrath”, estes dois preceitos misteriosos mostram que o
Andrógino domina completamente o Mundo Elementar, agindo sobre a natureza, de
modo inteiramente Onipotente. As inscrições são dois pólos que marcam o Ciclo Solar de Vida, composto de Geração, Nascimento e Morte, para depois haver
uma nova Geração que dará continuidade ao interminável ciclo da Vida. A fórmula Solve
et Coagula, todavia, não se resume
apenas na vida material. Podemos entender aqui que o Espírito
pouco evoluído, ou primário,
encontrará os meios pelos quais possa ser transformado em Espírito Evoluído, Superior. A esta propriedade de transformação, ou melhor, ao elemento que
permite esta transformação, os Mestres deram o nome de Mercúrio Filosofal, ou
Água dos Sábios, a mesma Tintura de Sabedoria, da qual falava o gnóstico
Basilides ainda no século II.
A imagem do Baphomet de
Eliphas Levi, enfim, é a representação emblemática deste Mercúrio
Filosofal ou do Andrógino Primordial. Também de Eliphas Levi vem outra curiosa
explanação sobre a origem do nome Baphomet, que se tornou vaga nos dias de hoje. Segundo o erudito
Abade, esta palavra era a forma cifrada de se dizer TEMOHPAB, uma espécie de acróstico
inverso de Baphomet, que formaria
a sentença iniciática: Templi Omnium Hominum Pacis Abbas. A explicação do acróstico, contudo, não traz maiores
esclarecimentos ao termo Baphomet, senão a já bem conhecida menção a Unidade
Primeira.
Outra técnica cabalística de cifrar
mensagens (chamada
Athbsh) sugere que o verdadeiro
significado de algumas palavras apenas aparece caso seja escrito, a partir da
palavra original, um outro termo. Conforme esta regra, a primeira letra do
alfabeto hebraico (Aleph) na verdade equivaleria a última (Tau), a segunda
letra (Beth) corresponderia a penúltima (Shin), a terceira letra (Gimel) a antepenúltima (Resh) e assim
por diante. A palavra BAPHOMET, neste caso escrita com as letras hebraicas Beth,
Pe, Vav, Mem e Tau aparece, após ter sido aplicada esta técnica, como Shin,
Vav, Pe, Yod, Aleph, correspondendo então a palavra SOPHIA, Sabedoria em grego.
Seguindo com a teoria que aponta Baphomet como o Hermafrodita, pode ser feito um extraordinário paralelo entre esta
efígie e a citação bíblica “Deus criou o homem à sua imagem; criou-o
à imagem de Deus, criou o homem e a mulher”. Examinando o texto em latim encontraremos: ad
imaginem suam Dei creavit illum, masculum et feminam creavit eo, ou seja “à sua imagem Deus o criou, o
criou macho e fêmea“. Assim,
conforme mostram as Sagradas Escrituras, Deus criou um Adão que era,
ao mesmo tempo, macho
e fêmea, um Andrógino. Adão,
portanto, o primeiro ser da natureza, foi dotado com as duas naturezas do
andrógino. Baphomet então surge como um ícone tardio
para o homem primordial, Adão.
As alusões sobre a expressão Baphomet, ora apresentadas, são de extrema valia para os
estudantes do simbolismo mágico e iniciático. Não obstante o volume de
ponderações feitas já ser considerável, uma nova e recente forma de abordagem
destes Mistérios vem ganhando terreno no estudo da Tradição, principalmente nos
aspectos relacionados ao que hoje se convencionou chamar de neo-templarismo e
neo-gnosticismo. No século XX, o controvertido ocultista inglês
Aleister Crowley, desenvolveu um culto e uma religião que têm como um de seus
principais fundamentos exatamente o alegado ídolo templário, segundo sua
própria e peculiar concepção de Baphomet. O entendimento de Crowley por certo
lançará mais matéria à reflexão sobre este discutível tema, bem como ajudará a
avaliar o modo polêmico de abordagem deste mistério, modo este típico de uma
crescente vertente de ocultistas contemporâneos.
Ao longo das obras de Crowley, são fartas as
referências a Baphomet, por ele chamado de “Mistério dos Mistérios”, no cânone
central de sua religião, cânone este composto na forma de um missal denominado
Liber XV – A Missa Gnóstica. Tal era sua identificação com Baphomet, que este
nome foi adotado como um de seus mais importantes pseudônimos, ou Motes
Mágicos. O assunto é tão relevante que nos Rituais de
Iniciação da Ordo Templi Orientis, uma das Ordens lideradas por Crowley,
praticamente todas as consagrações são feitas em nome de Baphomet, não importando se os consagrados estejam conscientes
ou não a respeito do sentido de tal ato e muito menos de suas implicações
futuras. Tamanha é a proeminência do conceito implícito ao termo que no VI Grau
da referida Ordem, a título de ilustração, numa clara referência a suas
supostas raízes orientais, a palavra Baphomet é declarada como sendo aquela que
comporta os Oito Pilares (as
oito letras que formam a palavra)
que sustentam o Céu dos Céus, a Abóbada do Templo Sagrado dos Mistérios, no qual
está o Trono do Rei
Salomão. Ainda em sua Missa Gnóstica, Crowley identifica
Baphomet com um símbolo chamado “Leão-Serpente”.
O Leão-Serpente, assim como Baphomet, é a representação do andrógino ou
hermafrodita. Mais
especificamente, ele é um composto que possui em si mesmo o equilíbrio das
forças masculinas e femininas transmutados num só elemento. O
Leão-Serpente, na verdade, é uma
forma cifrada de mencionar a concepção humana, a união dos princípios
masculinos (Leão) com femininos (Serpente), ou do
espermatozóide com o óvulo, formando o zigoto. Há, seguindo com os preceitos de Crowley, diversos
modos de mencionar esta dualidade: Sol e Lua, Fogo e Água, Ponto e o
Círculo, Baqueta e Taça, Sacerdote e Sacerdotisa, Pênis e Vagina, além de
várias outras duplas de eternos polares.
Originalmente, o símbolo representado pelo
Leão-Serpente, consta em alguns dos mais antigos documentos gnósticos, os quais
remontam a começos do século II d.C. Apresentado sob a forma de uma figura
arcôntica com cabeça de leão e corpo de serpente, o Leontocéfalo era a própria
imagem do Demiurgo do Mundo, sendo a versão gnóstica para o Javé Mosaico.
Crowley, ao se utilizar deste mesmo simbolismo, pretendia assim resgatar os
cultos de um cristianismo hoje considerado primitivo.
Crowley e seus adeptos, entretanto, não se detêm
apenas em demonstrar o Mistério de uma forma puramente alegórica. A “Luz da
Gnose”, como é chamada, é celebrada de modo literal. Assim, o ponto máximo da
encenação de seu missal consiste na celebração do Supremo Mistério, ou seja,
durante a realização das Missas Gnósticas ocorre a comunhão, por parte de todos
os partícipes da Cerimônia, das hóstias, também chamadas de Hóstias dos Céus,
ou Bolos de Luz, preparadas com sêmen e fluido menstrual. De acordo com
Crowley, Baphomet, sob o nome Leão-Serpente, surge deste composto, da Matéria
Primeva, oriunda da Grande Obra, ou seja, do ato sexual entre Sacerdote e
Sacerdotisa. Através dos alegados poderes mágicos dos Operantes do Rito da
Grande Obra, a Matéria Primeva é transmutada em “Elixir”, ou Amrita. A Grande
Obra, contudo, através das propriedades mágicas da fórmula de Baphomet, ainda
teria a capacidade de transmutar também os Operantes do Rito e não apenas as
substâncias que o compõem.
Baphomet, assim como concebido por Crowley, é
então o Elixir ou Tintura da Sabedoria, o Veículo da Luz da Gnose, a qual
compõe o Mistério Místico Maior, também chamado Segredo Central de sua Ordo
Templi Orientis. Crowley também considerava Baphomet como o Supremo Mistério
Mágico dos Templários, segredo este que estaria concentrado nos graus
superiores de sua Ordem. Da mesma forma, ele clamava que este era o mesmo
mistério oculto aos graus superiores da Maçonaria. Crowley e seus discípulos se consideram herdeiros
deste conhecimento, o qual, segundo eles, foi transmitido de geração em
geração, desde tempos remotos até eles mesmos, seus sucessores, através dos
Santos Gnósticos. Curioso constatar é que, dentre os inúmeros Santos
relacionados por Crowley em sua Missa Gnóstica, estejam presentes os nomes
Valentin e Basilides, os mesmos gnósticos citados, cujas doutrinas supostamente
deram origem ao termo Baphomet. Inclusive, no Credo de sua religião, recitado
nesta mesma Cerimônia, há referência oculta a Baphomet ou Leão-Serpente, na
forma do mencionado “Batismo de Sabedoria”, ato responsável pelo Milagre da
Encarnação (a reprodução humana).
Crowley também usa uma forma particular de grafia
para Baphomet, forma esta que segundo o seu relato, lhe fora revelada em visões
obtidas durante a realização de determinados trabalhos mágicos. Assim, esta
palavra aparece curiosamente grafada como BAFOMITHR. Com isso, Crowley -
externamente - sugere que o termo Baphomet seja para ele equivalente ao que
Pedro representou para Cristo, ou seja, analogamente, sobre esta “pedra”
fundamental, Baphomet, Crowley edificou a sua Igreja. Internamente, contudo, em
um dos Graus Superiores de sua Ordem, dado ao caráter supostamente Templário,
de acordo com a interpretação de Crowley deste tipo de mistério, em seus
diários a palavra BAFOMITHR por vezes aparecia para indicar Ritos de Magia
Sexual onde havia prática de sodomias, concepções de Crowley, entretanto, não
param por aí. Ao que tudo indica, tal é a amplitude de valores presentes em
seus ensinamentos relacionados a Baphomet, que se tem nítida impressão de que
ele valeu-se de todas as atribuições cabíveis a esta imagem, para dali evocar
alguma mensagem, apropriada tanto a difusão quanto a justificação de sua
religião.
Apesar de muito ter sido dito concernente a
questão Baphomet, apenas uma única certeza aparece de modo irrefutável: Os Mistérios de Baphomet ainda
seguirão, dando a oportunidade para que cada um de seus Aspirantes penetre num
rico e fantástico universo de signos, símbolos e enigmas a serem desvelados. O próprio enigma da Esfinge
Egípcia nos desafia e ameaça, prometendo maravilhas conquanto
nos indaga sobre sua misteriosa natureza. Talvez o que de melhor tenhamos a
fazer neste momento, após tanto considerar sobre esta outra enigmática Esfinge,
Baphomet, é seguir o sábio exemplo de um dos maiores Mestres Gnósticos, o
próprio Basilides, conhecido como o Mestre do Silêncio e quedar-nos em sossego.
Abrindo espaço ao Silêncio, damos vez à reflexão.
Refletindo, confiamos que a verdadeira simbologia de Baphomet seja
revelada como uma forma de conhecimento esotérica e não ligado a figura do Satânismo
ou do mal.